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Mostrando postagens de 2018

Intervenção democrática já

A greve dos caminhoneiros, além de revelar uma carga de união reivindicatória, também mostrou para a nação brasileira uma caçamba de fragilidades do atual governo de Michel Temer.  As semanas de paralização, além de nos colocar como reféns de uma categoria, acelerou o derretimento de um governo fraco que substituiu um outro, derretido pelas tantas acusações apresentadas, principalmente pela mídia nacional. Entre as várias reivindicações dos grevistas, chamou atenção as faixas esticadas ao longo das rodovias pedindo a "intervenção militar". Apesar do trauma que os militares causaram no país, principalmente pelas suas ações violentas contra aqueles que se opunham ao regime ditatorial, ainda ousam desejar o restabelecimento do horror.  Fico pensando uma explicação para esse funesto desejo que ainda paira sobre o Brasil, esse país continental e multicultural.  A violência foi a tônica empregada pelos colonizadores europeus desde a invasão em 1500. Afinal, cantavam q

17 de março, 17h41

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C onfesso que não tenho medo da morte. Penso nela como nessas noites de sono profundo, fechar os olhos e lá fui eu. Aliás, pra que ter medo? Sempre me lembro do vampiro Nosferatu, e sua dolorosa busca pela finitude. Somente assim a vida fica completa, começar e fechar um ciclo. Mas vendo a barbárie que se instala nas redes sociais nessas centenas de comentários humilhantes sobre a morte de Marielle, mulher, negra, militante me deixa atordoado. Sujeitos se refestelando na sua q ueda e sem perceberem - claro, o ódio ideológico os consome - que junto com ela estamos todos nós. Ontem à noite me veio à lembrança antigos dias de magia numa sala de aula, daqueles adolescentes me perguntando: "como assim, é da natureza do homem a liberdade?" Pausava a voz e lhes explicava que todos os seres humanos, ao nascerem, trazem consigo o direito à liberdade. É nato ao Homem e somos livres. Não pode existir uma lei feita por outros nos "dando" esses direitos. Caso fos

Infarinato e fritto

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E ra o final da década de 60 e o meu pai trabalhava na Rigesa. Naquele momento a fábrica ainda não dispunha de restaurante para seus funcionários. Ou almoçavam nas suas marmitas levadas das suas casas ou, aqueles que moravam nos bairros operários que circundavam a fábrica, nas suas moradias. E esse era o caso do meu pai, pois morávamos ali no bairro Serrote, em Valinhos. Pontualmente às 11h o apito da fábrica desesperava-se e todos, a passos largos, iam até a “chapeira” na portaria bater o ponto. Uns voltavam a passos mais largos ainda para pegarem suas matulas. Outros tinham o privilégio das suas casas e da família, naquele instante sagrado. Minha mãe começava cedo a labuta. Por volta das 5h da manhã ela acordava e ia até a Padaria do Valentim, ou comprava uma bengala ou um filão de pão, leite e preparava o café da manhã. Café tomado e o meu pai pegava o rumo da fábrica, e minha mãe nos afazeres diários da casa. Por volta das 9h45 começava preparar o almoço e quando faltavam

O eu plural

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E u não sou oposição, sou cidadão e reivindico a cidadania. Se existe o desejo, portanto, ela também pode sair do plano individual para se tornar coletiva. Afinal vivemos numa sociedade onde nossos direitos, em tese, são garantidos pela nossa Constituição de 1988: alimentação, saúde, educação, cultura, emprego, moradia, segurança, etc. E para atingirmos esse direito individual ou coletivo não podemos passar a nossa existência cidadã dizendo apenas “améns” aos governantes, que muitas vezes nos retiram direitos e conquistas, cerceando nossa cidadania.  Durante longos anos que atuei como professor foi comum ouvir de alguns pares que “todos falam em direitos, mas se esquecem dos deveres”. Uma pena! Afinal, o que muitos não sabiam é que “direitos e deveres” nasceram entrelaçados, um é a complementação do outro. Sempre pensei que nessa afirmação residia a vontade de inibir o outro na sua reivindicação, uma espécie de castigo, desses que muitos se ressentem de saudade dos tempos mais du

Fusão de confusão

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O trabalho foi o verbo conjugado que nos constituiu numa cidade talhada inicialmente na identidade da “ Valinhos, terra do figo roxo” . Anos mais tarde a fartura suscitou a emancipação do distrito agora transformado em município, cravando no seu brasão de armas suas fontes de riquezas com a indústria ocupando o centro de destaque ladeado pelo figo e a maçã. Na metade da segunda década do século XX, a fruticultura era uma atividade rentável aos seus produtores e o figo era considerado o melhor do Brasil. Há pouco mais de 100 anos, Valinhos começava ser esboçada.  Em 1914, dentro do núcleo urbano de Valinhos, conforme dados da Estatística Predial da Prefeitura de Campinas, existiam 136 imóveis construídos. Sendo praticamente metade deles pertencentes aos imigrantes ali residentes. No ano de 1918 a população local era de 5484 pessoas, de acordo com uma publicação da Junta Central de Recenseamento de Campinas. E todos que aqui viviam e trabalhavam também se alimentavam de arte e

Lembrança de uma cadeira

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Noite quente e a casa estava escancarada.  Portas e janelas abertas e brisa leve invadindo o lugar. A família e alguns vizinhos conversavam na sala e as crianças atentas naqueles causos cabeludos, de atrasar o sono. Numa rajada de vento fresco ele foi empurrado para dentro da casa ocupando o melhor lugar. Acomodou-se no braço da cadeira de balanço da dona Jacira, ocupada preparando uma mesa de doces e sucos para embalar aquela noite. O ilustre visitante noturno ficou ali, quieto, investigando o lugar sem ser notado. Convidados para aquela mesa farta, as crianças correram para ocupar os melhores lugares. Violino, o cachorro da casa, aconchegou-se debaixo da mesa na esperança de qualquer pedacinho de quitutes. Os adultos se entreolhavam felizes pela cena que ia sendo construída. O visitante ousou mudar de lugar indo para bem pertinho do bolo de milho. Descoberto pela garotada um grito de pânico foi lançado ao infinito daquela grande sala. Dona Jacira, na sua suavidade anuncia para

Quantos risos, oh quantas alegrias

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É noite do sábado de carnaval e estou voltando para casa. Pego numa saudade alterei meu caminho costumeiro e passei pelas ruas do centro da cidade de Valinhos. O relógio do painel do carro marcava pouco mais que 21h. Desertas ruas de gente, exceto um ou outro morador de beirais com seus caninos sambando por um pedaço de pão e um gole de aguardente. A passarela é silêncio nesse tempo presente. Estacionei ali na Rua 21 de dezembro e vi por dentro da memória o cordão carnavalesco que começava nessa rua e entrava pela 7 de Setembro, depois contornando a esquerda e indo dispersar no final da Rua Antônio Carlos. Era menino naquela noite antiga, cansado sentei na guia da calçada acomodei minhas costas num frondoso ipê amarelo que coloria aquela velha noite. Meus pais conversavam animadamente com outros populares enquanto esperavam a próxima agremiação. Aos poucos fui sendo surpreendido pelo sono e a escola do samba já no batuque, Leão da Vila, sempre uma sensação. Conta meu

Em liberdade trabalhamos

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O Brasil possui desde o período colonial um vasto espaço e o início da sua ocupação esteve ligado aos interesses da política mercantilista à qual estava inserida a metrópole portuguesa. Foi nesse contexto de exploração que o Brasil foi ocupado, extraindo ou produzindo mercadorias de valor e direcionadas ao mercado europeu. A produção canavieira em Campinas no final do século XVIII ajudou a recuperar as finanças de Portugal, após o declínio da extração do ouro nas Minas Gerais. O açúcar entrou novamente como produto de exportação na balança comercial da colônia. Passados alguns anos, Campinas tornou-se o maior centro produtor de açúcar da província de São Paulo.  Na segunda metade do século XIX iniciou-se uma nova produção em solos paulistas, o café. O historiador campineiro Celso Pupo afirma não existir um marco que separa a produção açucareira e do café, pois “enquanto o café surgia paulatinamente, o açúcar ainda prosperava”.  Campinas destacou-se como a nova frente pro

Bom princípio de Ano Novo

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M inha infância fora vivida entre as décadas de 60 até metade da década de 70, depois vieram a Escola SENAI e a fábrica. Sempre penso que depois de 1975 minha adolescência fora subtraída pelos capatazes das linhas de produção.  Mas o que me traz aqui é a lembrança amanhecida nesse primeiro dia de 2018.  Veio inteiro aquele primeiro dia de um ano na década de 60, de uma tradição que está se perdendo com o passar dos anos. Nesses antigos dias vivíamos numa cidade muito mais pública que hoje. Era possível perambular por ela e no máximo éramos barrados por cercas de bambus que delimitava uma ou outra casa das calçadas. Uma boa salva de palmas despertava seus moradores. Mas hoje enfrentamos altos muros condominiais, grades enormes, câmeras de segurança, porteiros, cães ferozes... Então, abandonamos as ruas, praças, locais públicos, e as transformamos, pela nossa ausência, em lugares de perigo. Esse abandono dado por esses obstáculos, possivelmente tem determinado, e não somente esses,