Manhãs de Setembro
Aquela manhã que antecedia em alguns dias o feriado da Independência foi marcada por reunião pedagógica naquela instituição de ensino. O debate entre os professores foi interrompido pela campainha. Um momento de pausa para esticarem as pernas e darem um descanso nos pensamentos. Seguiram pelo longo corredor que separava o auditório da área de descanso.
Acomodaram-se nas duras cadeiras daquele ambiente e entre um café e umas bolachas outras conversas nasciam. Um pequeno grupo de educadores continuava elaborando outras ideias para o debate pausado, e uma colega recém-contratada pela Secretaria da Educação ouvia atentamente.
Num instante de silêncio a professora entrou na conversa e disse que sobre aquela questão tinha algo importante a dizer, e o grupo se pôs a ouvi-la. Disse que na sua graduação aprendeu que toda palavra terminada em "ismo" é doença: homossexualismo, capitalismo, consumismo, comunismo, patriotismo...
Alguns professores buscaram nos seus pares a cumplicidade no olhar. E após a fala da professora um novo instante de silêncio mais alongado reinou naquele ambiente. Mesmo os outros grupos que trocavam outras conversas ficaram mudos.
Um velho professor de humanidades, que lia o seu jornal no fundo da sala, interrompeu aquele momento e com sua costumeira calma disparou dizendo que gostaria naquele instante ser um doente terminal em Paris. E a professora novata quis saber por qual motivo. Disse ele que "em Paris estaria doente de ‘ismo’: fazendo turismo!”. Muitos lanches preconceituosos continuam sendo mastigadas nos longos corredores da educação brasileira!
Na manhã seguinte, uma quarta-feira, tinha duas “janelas” e só entrava na escola a partir da terceira aula. Assim, optei fazer a varrição da calçada logo cedo. Um menino, vizinho dali de casa, descia a rua com a costumeira sonolência humana.
Come sempre esbocei cumprimentos:
- Bom dia.
- Dia... Ô tio, esse lacinho amarrado no seu dedo é para lembrar o quê?
- Ah, para eu colocar luvas no próximo trabalho.
- Hum, “tendi”!
Acomoda a mochila nos ombros, limpa um ou outro remelo dos olhos e o menino aperta o passo. Aqueles dois ou três minutos de prosa atrasou sua chegada à escola. Com palavras apressadas foi afirmando que aquela manhã era dia da cantoria do Hino Nacional. Vejo nele uma cena que cansei de presenciar na infância e depois como professor: fila indiana, espaço de um braço, retirada do boné e mão sobre o lado esquerdo do peito sob o olhar vigilante de alguns capitães do mato da pedagogia.
- Melhor não atrasar, tio.
- Corre não moleque. Um dia ainda nos educaremos!
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Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada
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