Dedicatória
No final daquela
sexta-feira, como de costume, as amigas Cecília e Olga partiram para mais uma
caminhada pelas ruas do bairro. Um dia de frescor soprado pela brisa vinda do
mar e um sol mais tímido que o de costume. No lento passo das companheiras, as
conversas alegravam os olhos naquela costumeira paisagem. Acenavam para alguns antigos conhecidos pelo
caminho, todos se locomovendo no mesmo passo do tempo, que os deixavam mais
próximos da condição humana.
Por aquelas ruas, vendedores se esforçavam nos seus
bordões na esperança de findar o dia com alguns víveres para dentro de suas
casas. Na Rua Conselheiro Lafaiete, antigo endereço do nosso poeta maior,
vendedores de livros de segunda mão expunham centenas de títulos por longo
trecho de calçada. As amigas encurtavam o passo e por vezes paravam para
saborear autores que seus olhos já cansados pudessem alcançar. Muito desses que
ocupavam aquele trecho de caminho, um dia foram leitura dessas amigas. Ao se
reencontrarem com seus velhos conhecidos esboçavam sorrisos de ternura contendo
prazerosas lembranças.
Deliciaram-se nessas leituras como quem saboreia uma dose
de licor. Entorpeciam-se de satisfação, um despertar de fantasias e crescimento
humano. Cecília pediu para o moço ali da rua “aquele livro lá, Caminhos
Cruzados, de Erico Verissimo”. Ao tocar o exemplar um impulso de saudade lhe
fez folhear o livro próximo ao seu nariz, cheirando cada uma daquelas páginas, na
busca de antigos momentos.
Deparou-se com a dedicatória: “Dedico este livro à minha querida
Sarah, com quem caminhei tão próximo! A vida nos cruzou cedo e nos deu
oportunidades infinitas de aprendizados... Espero que a pena deste nosso
conterrâneo te conduza, assim como a mim em mares de alegrias e densa reflexão
humana. Uma transformação profunda se opera em nossas almas após mergulhar na
intensidade da palavra de Verissimo. Amo tanto este autor como te amo. Desfrute
da leitura e saia dela com outra alma, com a certeza da sua Humanidade. Com
afeto, Otto. Porto Alegre, outubro de 1938”.
Qual o preço desse exemplar? Da carteira tirou 10 reais e
pagou o vendedor, saindo feliz e não necessariamente pelo tocante conteúdo
daquela obra de Erico Verissimo, uma leitura antiga, fora aquela dedicatória que
deixaram suas lombrigas aguçadas. Quem teria sido Sarah e Otto? Talvez pudesse
encontrar dentro daquele livro, agora uma garrafa lançada ao mar por um
náufrago, alguma anotação, ou que sabe um rabisco, ou mesmo um pedacinho de
alguma coisa qualquer. A vida é sempre uma instigante inspiração e apertou o
passo para outro novo motivo!
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Gérsio
Pelegatti é professor da História não aposentada
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