Bom princípio de Ano Novo

Minha infância fora vivida entre as décadas de 60 até metade da década de 70, depois vieram a Escola SENAI e a fábrica. Sempre penso que depois de 1975 minha adolescência fora subtraída pelos capatazes das linhas de produção. 

Mas o que me traz aqui é a lembrança amanhecida nesse primeiro dia de 2018.  Veio inteiro aquele primeiro dia de um ano na década de 60, de uma tradição que está se perdendo com o passar dos anos. Nesses antigos dias vivíamos numa cidade muito mais pública que hoje. Era possível perambular por ela e no máximo éramos barrados por cercas de bambus que delimitava uma ou outra casa das calçadas. Uma boa salva de palmas despertava seus moradores. Mas hoje enfrentamos altos muros condominiais, grades enormes, câmeras de segurança, porteiros, cães ferozes... Então, abandonamos as ruas, praças, locais públicos, e as transformamos, pela nossa ausência, em lugares de perigo. Esse abandono dado por esses obstáculos, possivelmente tem determinado, e não somente esses, o fim dessa e outras tradições.

Logo cedo e tomado pela ansiedade, a molecada saía de suas casas em busca do tão aguardado "bom princípio de ano novo". Pelas ruas empoeiradas dos bairros próximos ao nosso, parávamos de casa em casa, batendo palmas ou apertando as poucas campainhas existentes, nos anunciávamos aos moradores com um sonoro “Bom princípio de ano novo”.

Ganhávamos de tudo, desde xingamentos dos vizinhos mais rabugentos, até apertos de mão ao retribuírem os nossos votos de feliz ano novo. Doces e balas, muitas balas. Em busca do sonhado vil metal seguíamos sem perder o ânimo.

No fim dessas manhãs e próximo ao horário do almoço bandos de moleques se juntavam à sombra das mangueiras, jabuticabeiras, macieiras para contar quanto tinham faturado. O próximo fim de semana era cinema, praça, pipoca, sorvete, quebra-queixo ou até mesmo uma nova bola de capotão.

Foi numa dessas manhãs que correu a notícia que um vizinho meu, o "Velho Balloni" estava distribuindo um pacote de notas novinhas. Formou-se em frente da sua casa uma fila enorme de moleques, até parecia romeiros buscando um milagre. E o "velho" sentado na mureta da área da casa, ria, estampando felicidade ao distribuir aquelas notas novinha com o rosto de Pedro Alvares Cabral. Popularmente conhecida por “abobrinha”.

Somente no fim daquele dia que os nossos pais, talvez fazendo parte daquela galhofa, nos alertaram que aquela cédula nada mais valia. Não lembro muito bem, mas me parece que governo para conter a inflação tinha feito um plano econômico e mudado o dinheiro do Brasil.
 (Imagem: Reprodução/RevistaNet).

E nós continuávamos não entendendo nada. Como uma nota cor de abóbora e novinha em folha nada valia? E é bem provável que nem mesmo nossos pais entendiam sobre esses "milagres" governamentais.

O "velho Balloni" fez daquele 1° de Janeiro o seu 1° de Abril. Mesmo aquela nota tendo saído de circulação ele comprou a sua diversão e a alegria da molecada.  

A todos, um bom princípio de Ano Novo.

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Gérsio Pelegatti é professor da história não aposentada

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