Intervenção democrática já

A greve dos caminhoneiros, além de revelar uma carga de união reivindicatória, também mostrou para a nação brasileira uma caçamba de fragilidades do atual governo de Michel Temer. 
As semanas de paralização, além de nos colocar como reféns de uma categoria, acelerou o derretimento de um governo fraco que substituiu um outro, derretido pelas tantas acusações apresentadas, principalmente pela mídia nacional.

Entre as várias reivindicações dos grevistas, chamou atenção as faixas esticadas ao longo das rodovias pedindo a "intervenção militar". Apesar do trauma que os militares causaram no país, principalmente pelas suas ações violentas contra aqueles que se opunham ao regime ditatorial, ainda ousam desejar o restabelecimento do horror. 
Fico pensando uma explicação para esse funesto desejo que ainda paira sobre o Brasil, esse país continental e multicultural. 

A violência foi a tônica empregada pelos colonizadores europeus desde a invasão em 1500. Afinal, cantavam que abaixo da linha do Equador não existiria pecados. De lá para cá convivemos com longos períodos do exercício da força e do chicote.

Várias nações indígenas foram dizimadas para saciar o desejo por terras e riquezas. Depois veio a transformação dos negros africanos em mão de obra escrava, durando 350 anos. Mesmo o Brasil tornando-se independente de Portugal, a escravidão perdurou por mais longos anos. Somente no entre ato do Império para o golpe republicano que os liberais daqueles idos trocaram a escravidão pela mão de obra assalariada. Ao mercado, sempre.

A nascente República construiu os seus símbolos buscando a unidade nacional. Exemplo clássico foi a elevação do então traidor no período do Império, Tiradentes, ao panteão dos heróis nacionais da República. Um hino, uma bandeira e nesses quase 130 anos de república também convivemos com dezenas de ditadores que ousaram pegar pela força a esperança de uma nação decidida democraticamente no voto. 


A nossa história está recheada de acontecimentos que ajudaram a nos constituir numa sociedade patriarcal cristã e educada sob olhares vigilantes e autoritários. A violência é presente nas nossas relações, da educação feita a chineladas nas casas, o menosprezo de crianças e adolescentes nas escolas, a opressão nas fábricas, a ridicularização do outro pela sua opção sexual e até mesmo religiosa.

Com o tempo foi sendo formada uma massa humana de sujeitos sebastianistas à espera de um pai enérgico e que resolva todos os nossos problemas, sem perceberem que somos nós os agentes dessas histórias individuais e coletivas.

Desejar a intervenção militar é a crença nesses homens de chicote em punho, nossa autoflagelação.
Serão necessários anos de aulas de português, história, sociologia, filosofia para mudar essa crença que os militares são a nossa redenção. É giz, saliva e inteligência.

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Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada

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