Infarinato e fritto
Era
o final da década de 60 e o meu pai trabalhava na Rigesa. Naquele momento a
fábrica ainda não dispunha de restaurante para seus funcionários. Ou almoçavam
nas suas marmitas levadas das suas casas ou, aqueles que moravam nos bairros
operários que circundavam a fábrica, nas suas moradias. E esse era o caso do
meu pai, pois morávamos ali no bairro Serrote, em Valinhos.
Pontualmente
às 11h o apito da fábrica desesperava-se e todos, a passos largos, iam até a “chapeira”
na portaria bater o ponto. Uns voltavam a passos mais largos ainda para pegarem
suas matulas. Outros tinham o privilégio das suas casas e da família, naquele instante
sagrado.
Minha
mãe começava cedo a labuta. Por volta das 5h da manhã ela acordava e ia até a
Padaria do Valentim, ou comprava uma bengala ou um filão de pão, leite e preparava
o café da manhã. Café tomado e o meu pai pegava o rumo da fábrica, e minha mãe
nos afazeres diários da casa. Por volta das 9h45 começava preparar o almoço e
quando faltavam uns 5 minutos para as 11h tudo estava pronto e sobre a mesa, coberto
por uma toalha. E todos aguardando a chegada do papai.
Mas
enquanto ele não chegava ninguém podia beliscar nada. Ai se minha mãe visse
alguém mexendo... Era a senha para aquele rabo de tatu, pendurado no batente da
porta da cozinha, cantar lascado no nosso lombo.
Mas
teve um dia que mamãe preparou tudo mais cedo. Eu, criança faminta que era,
levantei a toalha e descobri uma travessa recheada de quitutes. Minha mão
correu e "roubou" um. Achei delicioso...e dois, três, quatro.
Depois
que papai chegou me fartei naquele almoço. Comi como se estivesse chegando de
viagem e minha mãe, claro, já tinha percebido a ausência de alguns bolinhos,
dando um discreto sorriso. Olhei para ela e elogiei aquela travessa de gostosuras,
que já havia surrupiado alguns:
-
Que delícia está esse filé de peixe, mamãe.
-
Peixe? Isso ai não é peixe.
-
Não?
-
Não. É miolo de boi, empanado e frito.
Mamãe
e papai riram e eu firme na minha pequenez ética que fez revirar minhas tripas.
Nunca mais.
___________
Gérsio
Pelegatti é professor da História não aposentada
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