Cidade invisível
Tomava
um café quase que semanalmente numa cafeteria que um dia fez ponto na Rua 13 de
Maio, aqui em Valinhos. Sobre a xícara quente, meu olhar investigava uma foto
que decorava aquele ambiente, tradução silenciosa daquela pequena fração do
espaço em outros tempos. Para outras ruas ali próximas da 13 de Maio, era
possível encontrar outras fotos, outros ângulos, outros recortes. Como num jogo
de quebra-cabeça, reconstruir a cidade. Para cada café saboreado, olhar e descobrir
a cada semana outra leitura de nós mesmos.
A
foto no Café, tirada da marquise da Matriz de São Sebastião, mostra um recorte
da cidade. Olhava as fotos, pensava a cidade. No passado retratado havia vida,
cinema, praça, festas, gente, trem, havia desejos e sonhos; essa cidade era
outra. Meus olhos procuram ainda hoje, insistentemente, fotos que olharam
outros lugares da cidade: a sua periferia que já brotava naqueles anos próximos
e posteriores a nossa emancipação. Mas
não as encontro decorando as paredes da cidade.
Largo São Sebastião, Valinhos/SP Foto: Acervo Haroldo Pazinatto |
Anos mais tarde numa mesa de bar, na
sagrada sexta-feira à noite depois do trabalho, dois amigos lembravam o caminho
que percorriam para chegar até o Grupo Escolar. Bem ali, onde hoje está a Praça
Washington Luís, existiu uma mata natural e também uma mina d’água. Chegar ao
Grupo era muito divertido, pois era possível não ir. O futuro poderia ter sido
diferente. Tingida pelo ufanismo verde amarelo, a cidade foi sonhada para um
coletivo, porém, muitos outros não a sonharam naqueles tons.
Essa
memória natural desses dois amigos possibilita que eu pudesse recordar outra
cidade dentro dessa cidade anterior. Meu pensamento recua para as longínquas noites
de sábado na década de 70, da água colorida brotando das pastilhas, o andar no
sentido anti-horário para ver o rosto das meninas e poder ser visto. Muitas
vezes ganhávamos um sorriso que fazia pulsar o nosso coração aceleradamente.
Mas a timidez deixava que essas “doces Dulcinéias” fossem tragadas pela multidão
da praça, nas noites da cidade.
A
noite avança pelo tempo e deixo no copo um gole de cerveja. Pelo caminho não reencontro
velhos amigos, antigas paixões, nem mesmo velhos operários. A cidade, sem
cinema, sem praça, sem vida, no seu colorido do abandono noturno tem outros
habitantes: as travestis e as putas – a estas o “filho” ilustre da cidade um
dia cantou “Mariposas” - buscando na Treze a liberdade que num outro Treze de
Maio não conseguimos conquistar.
Talvez
tenhamos optado rejeitar a memória e ficar com as fotografias, com suas inversões
da realidade pelos olhos dos sujeitos que disparam obturadores. A noite na
minha cidade é escura.
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Gersio Pelegatti é professor da História não aposentada
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