Lembranças da ausência
Quando era criança e morava lá na Rua
São Carlos, no bairro do Serrote eu sonhava com um Papai Noel entrando pela
porta da sala da minha casa e me presenteando com algumas necessidades que a
minha idade espreitava. Coisas simples que precisava para talhar outros sonhos.
Muitas manhãs de um tempo distante foram preenchidas correndo pelas ruas de terra do bairro, olhando alguns segundos em frente e outro minuto para trás, para saber se a capucheta de jornal tinha pegado altura. Cansado da brincadeira sentava a sombra de uma cerca de bambu e vigiava o céu olhando lindos maranhões que enfeitavam o azul infinito. Então desejei uma tesoura para picotar o papel de pão e transformá-lo num maranhão. O desejo estava dado e para a sua execução contava com a generosa contribuição do dono da padaria São José, Valentin Soldan que sempre colaborava com um pedaço de papel de embrulho retirado da bobina sobre o balcão. A linha para conduzir e colocar o maranhão pairando pelo céu era pedaços de barbantes que lacravam os sacos de farinha da padaria. Abertas as embalagens os barbantes eram jogados no lixo e o lixo sempre foi uma fonte de riqueza na minha infância. Tempos mais tarde comecei usar a Linha 10 Corrente, que comprava fiado na lojinha do seu Matildo Bauck.
Outro
desejo de menino foi uma enxó para desbastar pontas de vigotas trazidas pelo
meu pai Geraldo Pelegatti, das construções que ele trabalhava como pedreiro.
Esses pedaços de madeira seriam transformados num trator. Mas para o trator ficar
supimpa era necessária uma pá carregadeira, que seria executada caso eu tivesse
outro tipo de tesoura para cortar as latas de óleo e finalizar esse outro
sonho. Para cada dia daqueles tempos brotava um desejo, uma nova aventura.
Distante
alguns quilômetros do meu querido bairro do Serrote me pego pensando naquelas
noites que ficava deitado no sofá da sala escura, tendo miragens daquele
homenzarrão fazendo sombra na janelinha de inspeção da porta de entrada da
casa. Essas sombras nunca se transformaram numa cena real, pois esse sujeito
que eu imaginei Papai Noel, nunca apareceu para deixar os presentes que um dia desejei.
Hoje
já sou um homem maduro, mas sem nunca ter tirado pelo menos um dos pés daqueles
dias, aproveito o momento para essa reflexão e faço um agradecimento. Papai
Noel, muito obrigado pelo senhor nunca ter aparecido na minha casa. Graças a
sua ausência ousei inventar um futuro diferente e assim fui construindo meus
sonhos com outras ferramentas que também tive que inventar.
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Gérsio Pelegatti é professor da história não aposentada
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