Qualquer semelhança é mera coincidência

Facundo Arão fez Direito nas Arcadas, mas a boemia o consumiu mais que os códigos. Após três anos voltou para cidade de Tabijara sem diploma, mas advogando interesses na região.

Na matriz acontecia a festa dos sinos doados pelo benemérito Naná Velasco. Ali, Dr. Facundo, flagrou o assessor público Bento Vaz, encher os bolsos com quitutes, o que fez nascer, entre eles, forte amizade de interesses. A Banda tocava, casais rodopiavam. Teve lugar o leilão beneficente de laticínios, generosidade de Naná, o maior produtor de leite da região graças à velhacaria da adição de água do Rio Lambari. Moradores contavam que Naná chegou por ali tomando posse de terras. Trabalho, fé e bala de carabina possibilitaram mais aquisições.

No desjejum, Facundo cuidadosamente lê o jornal “O Imparcial”. A manhã é adoçada pela notícia da verba do governo central para obras de saneamento e ampliação do Hospital. À noite, Bento Vaz faz faustosa ceia com o doutor. Entre lascas de bacalhau e vinho, planejam detalhes sobre as faturas e riem à toa. Quando os buchos começam sinalizar fadiga é o prenuncio do dinheiro público indo para o esgoto.
Dr. Facundo trama e Bento Vaz é promovido a Assessor Mor In Saneamento. Comprou três quilômetros de canos pelo custo de cinco e o Rio Lambari torna-se destino de toda excrescência. Na ampliação do Hospital instalou sete novos leitos recebendo por dez. A diferença engorda outras ceias nas casas dos velhos comensais da nação.

Após dois anos as obras são finalizadas. O prefeito dá a descarga número 1 e a primeira dama corta cordão umbilical no Hospital. Nasce no povo sentimento de conforto e certeza cidadã que Tabijara já estava no futuro. Logo a cidade sentiu os efeitos dos velhacos. Por distúrbios estomacais e parasitose procuram benzedores, pois o Hospital não tinha estrutura para tanta enfermidade.

Bento Vaz e Dr. Facundo tomam o café matinal. Bento come boa fatia de queijo enquanto Facundo toma seu leite. Bruscamente, o doutor lança, em jorro, mistura de sabores do seu desjejum, seu corpo cai. Bento corre para a rua em busca de ajuda e é colhido pela jardineira que leva boias-frias para o canavial. Naná Velasco atravessando uma rua, por descuido, tropeça na tampa de inspeção entreaberta do mal acabado esgoto e cai na galeria de imundices. O socorro demora e Naná vai lentamente sendo tragado. Horas depois das quedas, lá estão os três, terminais, no hospital lotado, com falta de leitos, onde tudo falta. Mais cedo ou mais tarde, todos se encontram com a verdade. 
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 Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada         

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