Troféu abacaxi

Amanhece o domingo num distante dezembro na década de 60. Olhando aquela manhã, encontro minha ansiedade na tão esperada festa de natal dos trabalhadores da indústria de embalagens, onde meu pai trabalhava. Da minha casa até o clube onde seria realizado o evento era um pulinho. E lá fui eu, papai, mamãe e minha irmã para aquela manhã ensolarada e repleta de novidades. Espetinhos de carne, guaraná caçulinha, sorvetes, algodão doce, pipoca, barracas de diversão e o tão esperado presente de natal do Papai Noel. Naquele ano ganhei uma bola de plástico que após o primeiro chute recebido, no jardim da minha casa, acertou na trave de uma roseira. Um largo corte na superfície daquela bola colocou fim naquele natal e ainda hoje consigo sentir a decepção daquela tragédia, um encanto em mil pedaços. 

No centro do campo de futebol um palco fora montado e por aquele tablado desfilaram várias atrações musicais, apresentadas pelo ator da TV Tupi, Walter Stuart. O público acomodava-se nas arquibancadas e assistia os grandes nomes do cenário musical valinhense e região: Diabo Loiro, Os Rebeldes, Zé Maria, Os Fantasmas, Fred Jorge, Phormula 6, entre outros. Entrava um e saia outro, e a massa calada. Num dado momento o apresentador Walter Stuart pegou o microfone e disse para o público valinhense que os artistas após se apresentarem precisavam ouvir aplausos, pois esse era o alimento que eles necessitavam: “Vamos aplaudir meu povo”. Timidamente um aplauso aqui, outro acolá e assim a festa foi acontecendo.

Pensando naquela massa de operários, quase todos oriundos do mundo rural, e educados a luz de lamparinas nas estórias do sobrenatural contadas pelos mais antigos, nas missas, sua benção pai a sua benção mãe. Teríamos nos transformados em meros espectadores da história naqueles idos da década de 60? A palavra contida, as reações quase nulas e ai de nós se não obedecêssemos aos pais, os mestres, o diretor da escola, os capatazes das fábricas, o padre, o prefeito, o governador. Imagina se peitássemos o presidente da república militar, que impuseram no Brasil então? Aquele silêncio segredava a reflexão e um desejo de mudança, conquistadas ao longo das décadas que vieram. Mudou o Brasil e Valinhos também, nesse novo o nosso direito de expressão: a fala, a crítica, os aplausos e as vaias. 

Anoitece 2016 e ouço pelos cantos da cidade uma ideia que tentam tornar verdade: “o povo só sabe reclamar”. E novamente o palco está montado para a próxima festa em outubro. Nessa passarela irão desfilar nomes do cenário político local. Alguns serão aplaudidos, outros serão vaiados em resposta ao alimento que o povo necessita e constantemente nos é negado, a cidadania. E dessa vez sem que ninguém nos chame atenção.

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Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada

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