A rua que não foi

Campinas amanhecia absorvida por densa névoa naquelas manhãs de outono. A noite cuidava e recolocava corpos descansados para outro dia de labuta nos cafezais. A escravidão e a monarquia caiam no papel, apesar das suas amarras serem sentidas vez por outra nas diárias relações republicanas. 

A locomotiva cuspia fumaça, silvos longos avisavam moradores da sua vinda com seus vagões recheados de riqueza material e um imaginário de modernidade, vivido pouco mais de um século antes em algumas nações da Europa, com as revoluções Francesa e Industrial, “exalando seus ventos para o mundo”. A luz do sol revelava um infinito mar verde na retina daqueles sujeitos, braços para o café, portadores de outra memória e tendo a nova paisagem para ser compreendida e dominada. 

Na primeira década do século 20, terras cansadas foram fracionadas em pequenos sítios no Distrito de Valinhos, e compradas por imigrantes. No dia 06 de Março de 1914, o “Jornal Español”, destacava que a pomicultura por aqui era uma atividade bem remunerada e que os figos produzidos já eram considerados os melhores do Brasil. A economia local, modesta, diversificava-se: agricultura, indústrias e um interessante turismo nas águas radioativas do Hotel Fonte Sonia. O jornal carioca “O Paiz”, em 1910, publicou um minuciosos levantamento feito por um dedicado funcionário público da prefeitura de Campinas. Ele mostrava a quantidade de prédios existentes naquele município, dividindo-os entre as nacionalidades de seus donos, em Valinhos os imigrantes possuíam 66 imóveis, assim distribuídos: italianos 55; portugueses 06; espanhóis 03; alemães 01; sírios 01.

O golpe de 1930 depôs a oligarquia paulista do poder, governadores foram trocados por interventores escolhidos por Getúlio Vargas. O coronel João Alberto, indicado pra São Paulo, adotou uma série de medidas polêmicas, como a indicação do prefeito campineiro deposto, Orosimbo Maia, para interventor. 
Belmonte - "Folha da Noite", 29/11/1945

O jornal paulista “Diário Nacional”, do dia 08 de Outubro de 1931, criticava a atuação do interventor campineiro na condução de mudança do nome da Avenida Dr. Heitor Penteado, em Valinhos, substituindo-a para Avenida João Pessoa. Essa mudança não foi sancionada, já que o interventor discordava dela. Ao jornalista coube a ira getulista, afirmando que “possivelmente Valinhos seja a única cidade brasileira que não tenha uma rua ou avenida com o nome desse grande brasileiro”. 

E de fato, apesar das mudanças anunciadas e vividas com Getúlio Vargas, os interesses oligárquicos nunca se dissiparam. Nem por lá e nem mesmo por aqui!
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Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada.

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